Arrematação de Imóvel e Locação Vigente: Direitos do Locatário em Casos de Trespasse e Alienação Judicial

por | 19/08/24

João Guilherme Duda. OAB/PR 42473

Duas consequências naturais do fracassso de um estabelecimento são o interesse na sua venda a novo empresário (trepasse, “passar o ponto”) e a existência de dívidas da antiga empresa titular, com eventuais avais e fianças de sócios. Quando o estabelecimento se situava em imóvel próprio (da empresa ou de sócios garantidores), a consequência é que este pode vir a ser arrematado, pondo em risco a locação firmada com o adquirente do estabelecimento (novo locatário).

A arrematação é ato da execução judicial pelo qua terceiro adquire, em hasta pública (leilão) bem do devedor. É considerado “aquisição originária”, com a consequência de extinguir gravames existentes na matrícula do imóvel.

A questão que se coloca é a disputa entre o interesse do arrematante, em receber imóvel livre dos ônus e encargos e respeitar locação vigente, e do locatário, quando porventura averbou o contrato de locação e o tornou conhecido dos potenciais arrematantes.

O locatário não é pessoa de intimação obrigatória antecedente ao leilão (art. 889, I a VIII), pois não possui direito real afetado pela eventual arrematação. Disso também se deduz que não há ônus ao locatário em se opor, ou remir etc.

De outro lado, a Lei de Locações (8245/91, no artigo 8o., não faz distinção entre aquisição originária ou derivada, ressalvando que o adquirente não terá a prerrogativa de exigir desocupação em noventa dias, se:

(i) o contrato estiver sob vigência por prazo determinado;

(ii) averbado na matrícula;

(iii) contiver cláusula expressa de preservação da vigência em caso de alienação.

Alguns cuidados adicionais, à averbação e à atenção ao prazo de vigência, são recomendados ao adquirente de estabelecimento que celebra locação (ou a quem é cedida locação vigente com o cedente do trespasse):

(i) acompanhar execuções face do proprietário e locador, exigindo que conste do edital do leilão destaque especial à averbação do contrato de locação na matrícula, haja vista que potenciais adquirentes podem pressupor que este teria o mesmo tratamento dos demais ônus, como penhoras, que perdem eficácia com a arrematação;

(ii) após a arrematação, tenha extrema cautela para não fazer pagamentos ao locador expropriado, sob pena de recair em inadimplemento do contrato cuja vigência visa a preservar. Se não houver anuência do expropriado e acordo com o arrematante, a solução será a consignação em juízo dos alugueres, em ação específica.

O precedente adiante, pela gravidade face ao locatário, abarca

RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO. SHOPPING CENTER. LOJAS. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA. REGISTRO. AUSÊNCIA. OPOSIÇÃO. ADQUIRENTE. IMPOSSIBILIDADE.

  1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
  2. A controvérsia gira em torno de definir se o contrato de locação com cláusula de vigência em caso de alienação precisa estar averbado na matrícula do imóvel para ter validade ou se é suficiente o conhecimento do adquirente acerca da cláusula para proteger o locatário.
  3. A lei de locações exige, para que a alienação do imóvel não interrompa a locação, que o contrato seja por prazo determinado, haja cláusula de vigência e que o ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel.
  4. Na hipótese dos autos, não há como opor a cláusula de vigência à adquirente do shopping center. Apesar de no contrato de compra e venda haver cláusula dispondo que a adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito mesmo ao fato de que o comprador respeitaria a locação até o termo final.
  5. Ausente o registro, não é possível impor restrição ao direito de propriedade, afastando disposição expressa de lei, quando o adquirente não se obrigou a respeitar a cláusula de vigência da locação.
  6. Recurso especial provido.
    (REsp n. 1.669.612/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 14/8/2018.)