Prevenção aos acordos judiciais ineficientes no direito de família

por | 14/02/23

Autores: João Guilherme Duda, Caio Romani, Melissa de Albuquerque

Diante do fracasso das partes envolvidas na resolução de conflito de seus interesses, o Direito garante o seu acesso ao Poder Judiciário para que um terceiro (juiz) resolva a questão. outro lado, o mesmo Direito incentiva a autocomposição (acordos) antes ou após o acionamento do Judiciário. Essa política pública se justifica na (esperada) maior eficiência desses meios. Em sentido econômico, velocidade e custos, e em sentido humano, uma solução mais pacificadora e com menos cicatrizes deixadas pelo próprio processo.

Acordos judiciais ineficientes: o outro lado da moeda

Todavia, em recente artigo publicado na Revista de Processo (REPRO, 334, dezembro de 2022), ao tratar do PL 533/2019, que condicionava o acesso ao Judiciário à prévia tentativa de autocomposição, o coautor deste breve ensaio (Caio Romani) tangenciou a questão dos “acordos ineficientes”. O tema fora tratado pelo Min. Luiz Fux (coautoria com Bruno Bodart), na obra Processo Civil e Análise Econômica, pelo ângulo individual, ou seja, assimetrias de informação, análogas a vícios de formação de vontade; e pelo ângulo social, o resultado daquela relação jurídica acordada para a sociedade, em sentido econômico-material e de consecução de outras finalidades do Direito.

No caso de Direito de Família, em vista da instabilidade da coisa julgada resultante de acordo, a possibilidade de ajuizamento de novas ações após o acordo, há uma ineficiência ao mesmo tempo individual e social, notada pela intensificação do conflito e, eventualmente, o ajuizamento de novas ações.

Essa ineficiência corresponde, em primeiro lugar, ao desperdício dos esforços e prejuízos (econômicos, intelectuais, cronológicos, emocionais, dos atores processuais incorridos no primeiro conflito. Em segundo lugar, ao acréscimo de esforços de todos os envolvidos, para a solução do conflito emergente do acordo (não raro, mais agudo que o primeiro).

Aspectos humanos e sua influência nos acordos de Direito de Família

Uma das causas dessa ineficiência de acordos em Direito de Família é a falta de conhecimento humano tradicional (ou recusa em acatá-lo) a respeito de características gerais de sexos, faixas etárias, perfis socioeconômicos etc. e da sua dinâmica projetada para os anos seguintes ao acordo.

Relações pai-filho, pai-filha, mãe-filho e mãe-filha possuem um padrão médio (não determinístico, sempre sujeito a exceções) de variação ao longo das fases de vida. Por exemplo, um acordo eficiente deve prevenir situações frequentes de extrema dor para crianças que consiste numa disputa inicial acirrada, com cada genitor querendo ampliar ao máximo o seu convívio com a criança, em detrimento do outro, seguida, após alguns anos, de situações de negligência emocional, à medida que genitores constituem novos relacionamentos e, eventualmente, geram mais filhos. De outro lado, há a evolução dinâmica dos interesses da criança em relação às figuras genitoras de cada sexo, conforme cada faixa etária, como explicado pela Psicologia.

Pelo ângulo econômico, famílias com “pais separados” são menos eficientes, a priori. Em exemplo oposto ao que ocorre na fusão de empresa, perdem-se “sinergias” e ganhos de escala e escopo. Duplicam-se despesas e há uma menor divisão de tarefas por especialização (fonte elementar da riqueza, desde Adam Smith). 

Vistos os dois lares, pelo ângulo dos filhos (o que mais importa) como um “caixa único” de satisfação dos seus direitos fundamentais, há menores excedentes. Logo, menor capacidade de acumulação de capital. Pelo contrário, maior tendência de acumulação de dívidas e, portanto, de despesas financeiras (juros). Além disso, com o agravamento do litígio, há custos de transação e oportunidade relacionados à ocultação, ou aos desincentivos à acumulação, de bens e rendas. Por fim, a atribuição de bens que causam despesas ao cônjuge mais carente de renda e vice-versa.

Assim, no que diz respeito aos alimentos, a alocação de deveres face aos filhos, e entre ex-cônjuges, deve contemplar uma perspectiva dinâmica, com alocação eficiente, proporcional e financeiramente saudável de obrigações.

Por fim, há ineficiências mais óbvias ao mundo jurídico, como as redações ambíguas, cláusulas potestativas (disposições que dependem exclusivamente da boa vontade de uma das partes) e cláusulas que incentivam comportamentos oportunistas.

Esses exemplos denotam que a atuação em Direito de Família não se beneficia tanto do raciocínio especializado em sua dogmática quanto da visão interdisciplinar, com rigor técnico jurídico-processual, experiência e valores humanos e apurado raciocínio lógico-econômico.

Sem isso, há (maus) acordos piores que (justas) demandas.

– Escritório JGDuda Sociedade de advogados: www.jgduda.com.br