ADESÃO A ATAS DE REGISTRO DE PREÇOS MUNICIPAIS CONSTITUÍDAS SOB A LEI 8666/1993

por | 18/07/24

I – OBJETO DE ANÁLISE

Vigente ata de registro de preços de um dado município constituída sob a Lei 8666/1993 questiona-se sobre a adesão (“carona”) de outros municípios de outros Estados agora na vigência plena da Lei 14.133/2021. As dúvidas são sobre a vigência de ata constituída na Lei anterior e sobre a possibilidade de município aderir a ata de outro município observado que constituída por licitação nos termos do art. 86 §3º II da nova Lei.

II – VIGÊNCIA PARA FINS DE CARONA EM 2024 DE ATA DE REGISTRO DE PREÇOS CONSTITUÍDA NA LEI 8666/1993

Para fins de segurança jurídica, o artigo 193 da Lei 14.133/2021 disciplinou uma revogação gradual das legislações que disciplinavam a sua matéria, inclusive a Lei 8.666/1993 que regia o sistema de registro de preços a partir de 30/12/2023.

Já o artigo 191 permitia até essa data que o órgão licitante elegesse qual regime legal (novo ou antigo) “vedada a aplicação combinada” da Lei 14.133/2021 com o regime antigo se escolhido. Em seguida (§1º) estabelecia que o contratado resultante seria regido pela lei antiga caso assim tivesse sido a sua licitação. Nada disse literalmente sobre a ata de registro de preços. Houve lacuna legal.

É necessária a analogia para o seu preenchimento. Em primeiro lugar, a ata de registro de preços possui natureza contratual. Isso decorre do seu conteúdo (qual seja a lei vigente), pois é um (pré) contrato de “opção” pelo qual a administração detém o compromisso do fornecedor em atender conforme as condições desse pré-contrato o fornecimento nele previsto. A nova Lei assim definiu essa realidade (art. 6º XLVI) como “documento vinculativo e obrigacional com característica de compromisso para futura contratação”.

Sob tal “gênero” do campo contratual prevalece a regra de “tempus regit actum” consagrada no art. 6º da LINDB. Não pode nova Lei retroagir para limitar ou desautorizar parcialmente ato já consumado e eficaz a ata.

Vez que eficaz plenamente a ata de registro de preços ainda regida pela Lei 8666/1993, não está amputada da possibilidade de adesão por órgãos não participantes por força da vigência da Lei 14.133/2021 e do que dispõe seu artigo 193.

III – CARONA ENTRE DIFERENTES ÂMBITOS FEDERATIVOS

A adesão por órgão não participante não era proibida nem autorizada na Lei anterior. Por se tratar de tema de direito público, parte da doutrina reputava que a legalidade exigiria expressa autorização da prática.

Contudo, em âmbito jurisprudencial, por décadas a prática se consagrou regida por normas infralegais de cada unidade federativa, sendo o padrão de referência o Decreto 7982/2013. Nele estava expressamente vedada a adesão pela União a atas estaduais, distritais ou municipais (art. 22 §8º). Mas não o contrário.

No exercício de editar normas especiais, leis estaduais e distritais e decretos estaduais, distritais ou municipais também podiam adotar limitações semelhantes (e variadas).

Caso tais normas tenham sido expressamente mantidas vigentes após a vigência da Lei 14.133/2021, mantendo tais limitações, essas devem ser observadas.

Contudo, na ausência de vedação reiterada nesse sentido, entende-se que tal matéria está “interpretada” pela Lei 14.133/2021. Não se pode dizer que a nova Lei autorizou algo novo porque já era prática tida como lícita. Logo, nesse ponto, ela é uma lei “interpretativa” com força retroativa ao responder à pergunta de que é possível a carona entre diferentes entes federativos salvo expressa vedação.

Assim, não há “aplicação combinada” de regimes legais (vedada pelo art. 191), mas um recurso meramente interpretativo, pois a nova lei apenas exprime a jurisprudência que se aplicava às lacunas da antiga.

Em suma, a carona entre Municípios já era permitida e a nova Lei apenas positivou o preenchimento de lacuna da Lei 8666/1993 que a jurisprudência já realizava. Quando há atos locais (decretos ou leis com normas especiais de licitações) vedando tal carona (entre Municípios), é preciso se observar que via de regra esses foram revogados por novos decretos regulamentadores da Lei 14.133/2021, nos quais a permissão à carona entre Municípios não é autorizada porque tal autorização já está consagrada na Lei geral vigente. Logo, não há a vontade normativa por tal restrição – salvo se ocorrer de o Município deter novo decreto mesmo à luz da nova Lei contrariando tal possibilidade, isto é, renunciando à autorização que a nova Lei consagra.

Conclui-se que é possível a um Município em 2024 aderir à ata de outro regida ainda pela Lei 8666/1993 salvo expressa vedação nos seus regulamentos infralegais atuais.

Em todo caso, à luz das atas e decretos de cada realidade, os princípios norteadores da administração são protagonistas na integração dessas normas e na sua leitura sistemática. A legalidade está resolvida pelo debate acima, mas a principiologia ainda depende do mérito econômico dessa opção pela carona à luz do conteúdo da ata (preços e qualidades dos itens).