João Guilherme Duda. OAB/PR 42473
Duas consequências naturais do fracassso de um estabelecimento são o interesse na sua venda a novo empresário (trepasse, “passar o ponto”) e a existência de dívidas da antiga empresa titular, com eventuais avais e fianças de sócios. Quando o estabelecimento se situava em imóvel próprio (da empresa ou de sócios garantidores), a consequência é que este pode vir a ser arrematado, pondo em risco a locação firmada com o adquirente do estabelecimento (novo locatário).
A arrematação é ato da execução judicial pelo qua terceiro adquire, em hasta pública (leilão) bem do devedor. É considerado “aquisição originária”, com a consequência de extinguir gravames existentes na matrícula do imóvel.
A questão que se coloca é a disputa entre o interesse do arrematante, em receber imóvel livre dos ônus e encargos e respeitar locação vigente, e do locatário, quando porventura averbou o contrato de locação e o tornou conhecido dos potenciais arrematantes.
O locatário não é pessoa de intimação obrigatória antecedente ao leilão (art. 889, I a VIII), pois não possui direito real afetado pela eventual arrematação. Disso também se deduz que não há ônus ao locatário em se opor, ou remir etc.
De outro lado, a Lei de Locações (8245/91, no artigo 8o., não faz distinção entre aquisição originária ou derivada, ressalvando que o adquirente não terá a prerrogativa de exigir desocupação em noventa dias, se:
(i) o contrato estiver sob vigência por prazo determinado;
(ii) averbado na matrícula;
(iii) contiver cláusula expressa de preservação da vigência em caso de alienação.
Alguns cuidados adicionais, à averbação e à atenção ao prazo de vigência, são recomendados ao adquirente de estabelecimento que celebra locação (ou a quem é cedida locação vigente com o cedente do trespasse):
(i) acompanhar execuções face do proprietário e locador, exigindo que conste do edital do leilão destaque especial à averbação do contrato de locação na matrícula, haja vista que potenciais adquirentes podem pressupor que este teria o mesmo tratamento dos demais ônus, como penhoras, que perdem eficácia com a arrematação;
(ii) após a arrematação, tenha extrema cautela para não fazer pagamentos ao locador expropriado, sob pena de recair em inadimplemento do contrato cuja vigência visa a preservar. Se não houver anuência do expropriado e acordo com o arrematante, a solução será a consignação em juízo dos alugueres, em ação específica.
O precedente adiante, pela gravidade face ao locatário, abarca
RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO. SHOPPING CENTER. LOJAS. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA. REGISTRO. AUSÊNCIA. OPOSIÇÃO. ADQUIRENTE. IMPOSSIBILIDADE.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
- A controvérsia gira em torno de definir se o contrato de locação com cláusula de vigência em caso de alienação precisa estar averbado na matrícula do imóvel para ter validade ou se é suficiente o conhecimento do adquirente acerca da cláusula para proteger o locatário.
- A lei de locações exige, para que a alienação do imóvel não interrompa a locação, que o contrato seja por prazo determinado, haja cláusula de vigência e que o ajuste esteja averbado na matrícula do imóvel.
- Na hipótese dos autos, não há como opor a cláusula de vigência à adquirente do shopping center. Apesar de no contrato de compra e venda haver cláusula dispondo que a adquirente se sub-rogaria nas obrigações do locador nos inúmeros contratos de locação, não há referência à existência de cláusula de vigência, muito mesmo ao fato de que o comprador respeitaria a locação até o termo final.
- Ausente o registro, não é possível impor restrição ao direito de propriedade, afastando disposição expressa de lei, quando o adquirente não se obrigou a respeitar a cláusula de vigência da locação.
- Recurso especial provido.
(REsp n. 1.669.612/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 14/8/2018.)