O art. 177 da Constituição Federal prevê intervenção estatal no domínio econômico, de maneira a reservar à União atividades relativas ao petróleo e seus derivados, inclusive o gás natural. Na esteira das privatizações, na década de 90, a Emenda Constitucional nº 9/1995 acrescentou que “a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.”, o que inclui a exploração e transporte de petróleo e gás natural.
Seguiu-se, então, que a exploração de gás natural por empresas privadas deveria se submeter ao regime jurídico das concessões. Sob tal regime, o Estado delega a prestação do serviço mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que se demonstre habilitada [Lei nº 8.987/95]. A fiscalização e controle do setor coube à agência reguladora ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, criada pela Lei n. 9.478/1997.
O novo marco regulatório do gás natural será mais uma das leis que estabelece tais condições para a exploração privada das atividades na cadeia produtiva do petróleo.
Com a promulgação da lei nº 11.909/2009 (atual marco regulatório do gás natural), a ANP ficou responsável por promover as licitações para construção ou ampliação de gasodutos de transporte, para a sua operação dos dutos, além de aprovar as respectivas tarifas. Contudo, de acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), nenhum novo duto foi construído sob o regime de concessões. Apesar de o regime de concessão ser unanimidade no setor de transmissão de energia elétrica, o mesmo sucesso regulatório não aconteceu para o transporte de gás natural. O preço do gás natural no Brasil, para o setor industrial, é o triplo em relação aos EUA e o dobro em relação aos países europeus.
Aprovado pelo Senado, O Projeto de Lei n° 4476 de 2020, chamado de a “Nova Lei do Gás” promete corrigir a inoperância no setor e atrair novos agentes e investidores ao mercado, além de aumentar a concorrência para estimular o crescimento e a redução de custos no transporte de gás natural.
A primeira grande mudança é alteração do regime jurídico, atualmente sob modelo de concessões, para o regime de autorização. Enquanto o primeiro exige o procedimento licitatório, o segundo é ato administrativo unilateral e discricionário por meio do qual o poder concedente possibilita ao particular a realização de determinada atividade econômica regulada. No setor de gás natural, as empresas interessadas na construção de gasodutos deverão solicitar autorização à ANP.
O objetivo é dissolver a concentração desse mercado. Em paralelo, o Governo Federal propôs o programa “Novo Mercado de Gás” que visa à formação de um mercado aberto e competitivo, em oposição ao monopólio histórico da Petrobrás no setor. A expectativa é que isso aumente a oferta para serviços de transporte no setor, com a consequente (seguindo a lei de mercado) diminuição dos preços.
O setor industrial é o mais otimista com a “Nova Lei do Gás”. Além da modernização do setor, também se espera a desburocratização das barreiras legais e técnicas. O barateamento dos custos também significa a redução do uso de fontes convencionais e poluentes como o carvão e o GLP. E, por fim, também há expectativa para a retomada da economia, afetada pelo coronavírus, a partir da alavancagem do gás natural como matéria prima em diversas indústrias.
A expectativa de quebra do monopólio no setor também amplia o direito de escolha do consumidor, inclusive possibilitando a construção e implantação, diretamente, de instalações e dutos para o seu uso específico, conforme previsão expressa no art. 29 do Projeto de Lei.
Por fim, ao consumidor final de toda a cadeia produtiva em que há emprego do gás natural, a diminuição no preço da matéria prima também deve ser benéfica e estimular o consumo. Dentre os preços que podem refletir na economia do consumidor estão o gás natural, o gás de cozinha, o combustível e da energia elétrica.
A “Nova Lei do Gás” não traz rupturas com o monopólio da União sobre o setor. Contudo, as iniciativas de desburocratização do setor estão em consonância com o princípio da livre inciativa como fundamento da ordem econômica constitucional, além da promoção da livre concorrência e os interesses do consumidor.
A expectativa de mais agentes nesse mercado, com mais flexibilidade de ação, abre não apenas oportunidades de negociações de preço, mas de outros conteúdos contratuais hoje “inegociáveis” pela monopolista Petrobrás. Espera-se que a atuação jurídica neste ramo econômico se aproxime da sofisticação hoje vista no setor elétrico, com amplo uso da arbitragem e de contratos customizados à eficiência econômica, com segurança jurídica.