A Resolução 1116/2019/CONFEA e o uso do Pregão em licitações de obras e serviços de engenharia

por | 08/04/19

Editada em 27 de abril de 2019, a norma do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia declara que “as obras e os serviços de Engenharia e de Agronomia, que exigem habilitação legal para sua elaboração ou execução, com a emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, são serviços técnicos especializados.

           Embora o documento não faça referência à legislação de licitações e contratos administrativos, diversos sites de Conselhos Regionais de Engenharia o noticiaram como impeditivo da modalidade Pregão.

           A lógica implícita é que o uso de competência regulamentar para declarar o caráter especializado dos serviços em questão afastaria, por exclusão, a dúvida do que sejam “bens e serviços comuns”, para os quais, apenas, permite o art. 1o da Lei 10.520/2002 a adoção do Pregão.

           A Resolução do órgão profissional não afasta a adoção do uso do Pregão.

           Em primeiro lugar, a legislação de licitações concretiza princípios constitucionais e instrumentaliza a preservação do interesse público sobre o privado, inclusive aquele particular de coletividade de profissão regulamentado. Por hierarquia normativa, tanto princípios constitucionais, quanto previsões em legislação em sentido estrito (como as Leis 8.666/1.993 e 10.520/2002), certamente prevalecem em eventual conflito com as normas do CONFEA, meros atos administrativos normativos regulamentares.

           Em segundo lugar, em matéria de especialidade das normas, devem prevalecer, em caso de conflito, o que previsto na legislação de licitações em detrimento de regulamentos de profissões quando a matéria for, justamente, modalidade licitatória.

           Estabelecidas essas premissas, devemos observar que a expressão “serviços comum” do artigo 1o da Lei do Pregão tem o sentido de “comuns em mercado”, isto é, disponíveis, comparáveis, dotados de substitutos, fornecidos em regime de concorrência e mínima fungibilidade. A especialização e a complexidade dos serviços são características cada vez mais acentuadas e frequentes na realidade econômica atual, mas isso não exclui a existência de serviços complexos, especializados, todavia comuns no mercado. O campo das obras de engenharia mais corriqueiras é certamente um perfeito exemplo. Por mais sofisticados e especializados que sejam alguns aspectos da construção civil e pesada (como projetos executivos, cálculos estruturais, aplicações de materiais, estudo de intempéries, etc.), a realidade econômica é que a execução de determinadas edificações, pavimentações, instalações elétricas, por exemplo, são absolutamente comuns em termos econômicos e mercadológicos, viabilizando a lógica do Pregão, de sucessivos lances até o melhor preço possível, com reduzidos riscos de falta de higidez da proposta, justamente porque o serviço possui custos, preços e características frequentes no mercado.

           De outro lado, o artigo 13 da Lei 8.666/1.993 já define o que sejam “serviços técnicos profissionais especializado”, em concepção muito distante daquela adotada pela Resolução 1116/2019/CONFEA. Distante porque, no que pertinente a serviços e obras de engenharia, os seus incisos sistemicamente referem-se apenas a serviços puramente intelectuais, tais como estudos, planejamentos, projetos, pareceres, perícias, avaliações, além de fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras. O restante da Lei também se refere a “serviços especializados” no contexto de serviços de natureza intelectual (e em conjunto com outros atos  profissionais dessa natureza, como os jurídicos), tanto que a eles se remete para dar pertinência à modalidade de “concurso”(remunerado por prêmios). Indo além, o rol de serviços de “projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva” reaparece justamente no dispositivo do tipo licitatório de “melhor técnica”, cuja permissivo é a sua natureza exclusiva ou predominantemente intelectual. Por fim, a Lei 8.666/1.993 ainda se refere aos “serviços especializados” para estabelecer a cessão dos direitos autorais a eles referentes à Administração pública que os remunera – reforçando aquela natureza pessoal e intelectual, com poucos insumos e elementos operacionais de empresa.

           A questão é que as obras e serviços, descritas no artigo 6o da Lei de Licitações contemplam os aspectos profissional e intelectual, mas esses não são os predominantes na composição do preço (marcada por elementos empresa, insumos e intensa mão de obra de baixa qualificação). As atividades intelectuais do engenheiros em muitas obras são menos onerosas e exclusivas do que as aptidões operacionais e empresariais envolvidas na consecução do escopo contratual. Ainda que em determinadas obras e serviços de engenharia o aspecto intelectual predomine em termos de custos ou relevância técnica, pode ainda ocorrer que tais capacidades e serviços profissionais sejam absolutamente disponíveis e padronizados em mercado, tornando-os serviços comuns em termos econômicos, ainda que especializados em termos de regulamento profissional.

           Assim, um serviço “tecnicamente especializado” no sentido dado pela Resolução e suas considerações (motivação) pode ser comum em mercado, para fins de subsunção ao art. 1o da Lei 10.520/2002 e, frequentemente, não se coadunar ao conceito de “serviço profissional técnico especializado” da Lei 8.666/1.993, nos quais deve prevalecer o aspecto intelectual. Assim, não pode ser de plano afastada a possibilidade de licitação mediante pregão, cujos objetivos e resultados são a máxima competitividade de preços e a desburocratização da licitação, simplesmente por conter o objeto licitado obras e serviços de engenharia que, muito embora, pelo ângulo de profissão regulamentada, são deveras significativamente técnicos e especializados. Em tempo, para a licitação cujo objeto seja predominantemente de trabalhos exercidos diretamente por engenheiros, isto é, intelectuais, tais como a contratação de projetos e estudos, o Pregão mostra-se absolutamente inadequado, seja porque incompatível com julgamento de técnica seja porque, no tipo menor preço, resultam em leilão reverso incompatível com a dignidade profissional – e isso se aplica a outras profissões qualificadas e regulamentadas.